A Interpretação Bíblica de Apocalipse e o Paralelismo Progressivo

Por Sitri Silas

Não é surpresa que muitos aliancistas precisam utilizar abordagens interpretativas para encaixar suas posições alegoristas e espiritualistas nos diversos textos bíblicos. Dentre tais abordagens a que mais se destaca é aquela denominada de “paralelismo progressivo”. Essa abordagem é utilizada para que os textos de Apocalipse se encaixem em suas visões.

É importante destacar que o uso desses paralelismos geralmente se encontra mais em obras de teólogos com cunho amilenista e com visão historicista que em obras de outros aliancistas (pós milenistas, preteristas parciais e radicais, etc.), sendo que a abordagem ficou famosa devido à obra do renomado teólogo reformado William Hendriksen (Mais Que Vencedores), na qual ele divide o Apocalipse em sete seções paralelas.

Estas sete seções seriam abrangentes a todo período da dispensação da Igreja, até a Segunda Vinda do Senhor, onde um aspecto desse período histórico seria demonstrado por cada seção, tendo um relato simbólico e alegórico de cada um desses aspectos, a saber:

1) Cristo no meio dos candeeiros (Ap. 1:1–3:22);

2) A visão do céu e dos selos (Ap. 4:1-7:17);

3) As sete trombetas (Ap. 8:1-11:19);

4) O dragão perseguidor (Ap. 12:1-14:20);

5) As sete taças (Ap. 15:1-16:21);

6) A queda da Babilônia (Ap. 17:1-19:21), e;

7) A grande consumação (20:1-22:21) [1].

Algumas similaridades textuais são apontadas pelos defensores dessa abordagem como: as datas que aparecem nas sessões (42 semanas, 1260 dias, etc.) a similaridade entre os castigos impostos pelas trombetas e taças, o número sete repetidas vezes nos selos, trombetas e taças, etc.

Baseados nessas evidências textuais, aliancistas que seguem esse pensamento, tendem a justificar suas detrações quanto às afirmações escatológicas opositoras e, assim, acomodam seus pressupostos já conhecidos anteriormente (como o de que Israel foi continuado / substituído pela Igreja). Mas as questões que surgem são as seguintes: há plausibilidade na abordagem do paralelismo progressivo? Há base fraseológica e linguística na construção dos paralelos em outros textos do mesmo autor? Há base na construção de paralelos na literatura neotestamentária e bíblica? É justificável que similaridades de números, datas e etc., sejam evidências de uma narrativa paralela?  Estas são questões fundamentais que devem ser respondidas, em princípio não para apresentar um sistema ou abordagem melhor, mas apenas para analisar os aspectos desta abordagem e ver o quanto ela é bíblica e lógica dentro dos limites hermenêuticos e exegéticos.

A primeira e mais importante questão é sempre a intenção do autor ao passar a mensagem através do texto. Walter C. Kaiser Jr. afirma com propriedade que “Para interpretar é preciso reproduzir sempre o sentido que o autor bíblico quis dar às suas palavras. O primeiro passo do processo interpretativo consiste em vincular à linguagem do autor somente as ideias que ele quis associar a elas” [2].

O paralelismo progressivo e o apóstolo João

Aceitando o que testemunho e a tradição nos dizem, o livro de Apocalipse tem como seu escritor o apóstolo João, filho de Zebedeu. O destaque aqui é que a autoria é um conjunto de escritos ditados direto por Cristo com uma narrativa de João, sendo que a parte analisada pela visão paralelista geralmente são as narrativas joaninas de acontecimentos e não as falas diretas de Cristo, portanto, devemos perceber que o modo de escrita, fraseologia, influências gramáticas e linguísticas em geral são do apóstolo João.

Outra característica é que o livro parece ser de urgência, seja pelo conteúdo confortador para os que estão em perseguição naquela época, provavelmente a perseguição de Domiciano no fim do século I, seja pelo início com cartas exortativas as igrejas localizadas na Ásia menor.  João começa abruptamente, sem a fluidez e introdução de seu Evangelho por exemplo. Depois desta parte o apóstolo inicia as cartas para as igrejas, entrando num “arrebatamento no Espírito” sem, no entanto, se dirigir ao céu (o que aconteceu no capítulo 4) e, a partir daí, inicia as visões do céu subindo para lá e parece ficar aí até o capítulo 13. Aqui o apóstolo desce, a perspectiva muda, e depois, ele é levado a um deserto e parece manter a perspectiva na terra (Ap. 18:1, 20:1, 21:1-2). Então, na perspectiva de João ao descrever suas visões ele “sobe” para o céu (Ap. 4:1), tendo “descido” depois (Ap. 13:1) se mantém aí até o fim da narrativa profética de Apocalipse. Com estes indícios em mente fica pouco provável que João estivesse intentando um paralelismo entre seus textos, principalmente um que divida esses paralelos de forma incongruente com sua posição de referência (céu e terra). Esta análise começa a enfraquecer este tipo de abordagem, pois não há mudanças de referência no autor que justifique uma visão paralela de eventos.

Quanto ao autor e suas referências visuais, como vimos, não parece ser possível inferir paralelismos textuais na construção do livro de Apocalipse, mas podemos ver se há paralelismo na fraseologia, na questão linguística ou textual. Nesse caso deve-se procurar por conectivos em grego que demonstrem uma retomada ou uma indicação de paralelos entre os textos. Observe que, num primeiro momento, estamos procurando justificativas gramaticais e linguísticas, não exatamente de conteúdo, mas de forma. E aqui há outro destaque interessante, a palavra “depois”, originária do grego μετά (meta) e seu uso com o pronome οὗτος (autos) no acusativo tendo a tradução em Apocalipse de “depois destas coisas”, ocorre nove vezes no livro de João (Ap. 4:1, 7:1, 7:9, 9:12, 15:5, 18:1, 19:1 e 20:3), sendo duas vezes em Ap. 4:1, tal sentença indica um caminho narrativo sequencial, lembrando sempre que o Apocalipse é um livro de uma narrativa, onde João está narrando o que está vendo.

Essas palavras e expressão indicam que não havia interrupção nas visões e nos acontecimentos que João estava visualizando. Mais do que isso, o Autor da Escritura (inclusive desta), o Espírito Santo, não se preocupou em colocar indicativos gramáticos que demonstrariam descontinuidade ou paralelismo nos textos. Mesmo que se argumentasse que o “depois destas coisas” seria um indicativo de paralelismo, ou uma interrupção, ainda assim eles são localizados no início dos supostos paralelos apenas em Ap. 4:1, faltando em seis “interrupções” que seriam esperadas para um paralelismo com estas sete seções específicas. Ou seja, a única vez que a expressão ocorre é justamente na intersecção entre o que seria o “paralelo das igrejas” e as visões no céu. Não é razoável concluir, a partir desses elementos dantes mostrados, que João tivesse qualquer intenção ou mesmo que havia tal intenção na autoria do Espírito Santo, em indicar paralelos nas visões que foram apresentadas ao apóstolo.

O paralelismo progressivo e a fluidez dos textos

Não obstante ao problema com a intenção do autor e os elementos gramaticais em si, o paralelismo progressivo também tem outras dificuldades. Como já visto, os teólogos que defendem esta abordagem se apoiam em alguns elementos textuais em comparação (apresentados adiante), mas esbarram num problema de fluidez.

Geralmente este problema é resolvido com uma pressuposição simples, porém extra bíblica; Hoekema, um dos defensores desta abordagem, diz:

“Como saberemos quando termina uma destas sete seções paralelas (à exceção da primeira, que forma uma unidade óbvia), a resposta é que cada um das sete termina com uma indicação de que o tempo do fim é chegado. Tal indicação pode ser fornecida por uma referência ao juízo final, no fim da história, ou ao estado final de bem-aventurança do povo de Deus, ou a ambos.” [3],

Portanto todas as vezes que João fazia menção de juízo, de castigo, os homens apareciam como objetos da ira divina ou um relato sobre o estado de bem-aventurança dos salvos; significa então, nessa abordagem, o fim de uma seção. Na verdade esta regra já é falha entre as próprias seções visto que a primeira (cap. 1 a 3) e a última seção (20 – 22) não possuem essa característica, uma conclusão lógica simples já colocaria este argumento em desconfiança e já enfraquece este tipo de argumento.

Além disso, o próprio texto grego, não demonstra qualquer interrupção num aspecto gramatical, ao contrário, apresenta uma fluidez difícil de ser superada pelos defensores de um paralelismo progressivo. Observa-se que, a partir do capítulo 4, quando começa a visão de João das ultimas coisas, o conectivo grego καί (equivalente à conjunção aditiva “e” do português), dá a ideia de continuidade e sequência desde o capítulo 4 estendendo-se por todo o livro de Apocalipse, a única indicação de alguma mudança é na visão do apóstolo entre o céu e a terra, mas fora isso a continuidade comporta uma narrativa sequencial de eventos. Interessante notar que à exceção do capítulo 1, que é a introdução do livro e do capítulo 2, quando se inicia as epístolas as igrejas da Ásia menor, e o capítulo 4, já mencionado, todos demais capítulos possuem o conectivo grego, indicando continuidade e fluidez sequencial do texto (excedendo-se, claro, os que indicam “mudança de visão” do apóstolo), e nos textos onde há essa mudança de visão não são coincidentes com o suposto início das seções indicadas pelo paralelismo progressivo.

Outro aspecto interessante que merece destaque é a ocorrência de continuidade narrativa entre uma seção e outra, onde além de não haver interrupção gramatical ainda há clara continuação de eventos em sequência sem indicar qualquer paralelo com eventos anteriores. Por exemplo, entre o capítulo 7 e 8 (segunda e terceira seção supostamente) o último selo culmina na entrega das trombetas aos sete anjos subsequentemente (cf. Ap. 8:1-2), ou seja, se os selos e as trombetas são paralelos de um mesmo período por que na visão joanina o último selo inaugura as trombetas? Isso demonstra uma estranheza textual e cronológica muito grande.

Mesmo com todas essas demonstrações e problemas os defensores deste paralelismo progressivo ainda insistem em dizer desta divisão que “A divisão é sugerida pelo próprio livro [Apocalipse]. Candeeiros, selos, trombetas, taças, etc., constituem seções distintas do livro (…) é um agrupamento do próprio apóstolo” [4], mas é facilmente observado, pelos elementos textuais acima apresentados, que esta divisão pode ser tudo menos algo que estava na mente do escritor apostólico. A conclusão de se ter as seções parece uma clássica petição de princípio*; não é algo que veio do texto em si, nem seria provável devido às complicações já apresentadas, mas algo que é imposto ao texto de forma externa a ele. Portanto, não se conclui a partir do texto de Apocalipse que haja essa divisão ou seções paralelas.

O paralelismo progressivo e a comparação dos textos

Outra forma de supostamente provar estas seções é fazendo comparações literárias (seja de conteúdo ou de forma) entre partes do texto. Essa comparação tem duas facetas: uma interna, entre os textos do próprio Apocalipse, e outra externa, na qual outros textos bíblicos são usados como exemplo de um padrão de paralelismo que pode ser aplicado ao livro de Apocalipse. Como seguimos um fluxo de pensamento que preza primeiro pela intenção do autor e pelo conteúdo do livro em si, iremos analisar as comparações internas e depois partiremos para as externas.

A primeira das comparações internas seria a menção de números comuns, especificamente entre duas seções, a terceira e a quarta seção, onde se afirma que os períodos que ali aparecem, no caso em Ap. 11:2 (42 meses), Ap. 11:3 (mil duzentos e sessenta dias), da terceira seção, e os de Ap. 12:14 (um tempo, dois tempos e metade de um tempo) e Ap. 13:5 (42 meses) são equivalentes e demonstram que as seções são paralelas.

Em primeiro lugar, a simples aparição de um numeral de uma forma igual, em ambos os textos, não provaria por si só uma narração paralela de eventos; em segundo lugar isso só provaria que, naqueles textos específicos, o período ao qual se referem seria o mesmo, ou seja, que o período que Jerusalém será pisada, as duas testemunhas irão pregar, a mulher será refugiada e a besta irá proferir blasfêmias, se referem ao mesmo período específico. Se isto for tomado como um indicativo de paralelismo então o capítulo 11 não seria da mesma seção do capítulo 12 e o capitulo 12 não seria da mesma seção que o capítulo 13, mais ainda, no capítulo 11 o versículo 2 estaria falando de uma seção e o versículo 3 de outra paralela, ou seja, somente aqui o trecho teria que ser dividido em mais quatro seções. Numa perspectiva mais amigável, o que poderia ser concluído é que esses eventos destas seções seriam somente paralelos entre si, e que sobraria apenas duas seções entre elas. Não é negado que haja um paralelismo temporal evidente entre esses textos (até porque os números indicam um mesmo período específico para estes acontecimentos), mas sim que através desses números podemos inferir seções paralelas por todo o livro.

É bom também ressaltar um elemento que seria imprescindível para que o paralelismo fosse algo a ser considerado: as expressões comparativas. Não era difícil de imaginar que João, ao escrever seu livro, tendo em mente paralelismos nos textos, colocasse eventuais expressões que comparassem os eventos. Por exemplo, quando se referisse a um castigo semelhante ou referente ao mesmo período afirmar “assim como na – abertura do selo, toque da trombeta, etc.”, deixando assim um elemento textual claro ao apresentar sua intenção de referenciar paralelos, mas isso também falta no texto bíblico.

Um segundo argumento de comparação interna seria a comparação entre as trombetas e as taças; nessa questão, Hendriksen afirma que as trombetas têm relação com as taças, porque seus castigos têm elementos semelhantes e afetam basicamente a mesma coisa, daí concluindo que há paralelismo entre a terceira seção e a quinta seção [5]. Obviamente que, a partir do pressuposto do paralelismo progressivo em mente, encontraremos as semelhanças entre os castigos divinos desferidos contra a humanidade no Apocalipse; o problema é que tal semelhança não prova, por si só, um paralelismo textual, pois Deus, em toda a Escritura, utiliza elementos da natureza para castigar o homem desde o início dos tempos (como exemplo rápido aqui podemos mencionar as dez pragas do Egito), e a utilização desses elementos nos comunica tão somente que Deus não mudou sua forma de trazer e permitir calamidades a fim de livrar seu povo ou castigar os ímpios, e será exatamente o mesmo no fim dos tempos quando despejar sua ira sobre a humanidade. Portanto, tal semelhança de elementos naturais é simplesmente uma evidência bíblica do modo de ação divina.

Além de tudo, as comparações são no mínimo forçadas, pois não há uma semelhança grande ou mesmo razoável para se comprovar o argumento de paralelismo nos textos apresentados, apenas alguns elementos avulsos que podem ser justificados pelo modo de ação divina. Para melhor demonstrar isso observe o quadro abaixo:

VERSÍCULO

TROMBETA TAÇA
Primeira trombeta – Ap. 8:7
Primeira taça – Ap. 16:2
Saraiva e fogo, terça parte das árvores queimadas, erva verde queimada. Chaga maligna nos que tinham o sinal da besta.
Segunda Trombeta – Ap. 8:8-9
Segunda Taça – Ap.16:3
Monte ardendo cai no mar, terça parte da água do mar se torna sangue, morre a terça parte dos seres marinhos e naufragam terça parte dos navios. Todo o mar se torna em sangue, morre toda vida marinha.
Terceira Trombeta – Ap.8:10-11
Terceira Taça – Ap. 16:4
Cai uma “grande estrela” flamejante sobre os rios, a terça parte das fontes de águas doces (rios e fontes naturais) se tornam amargas. Todas as fontes de agua e rios se tornam em sangue.
Quarta Trombeta – Ap. 8:12
Quarta Taça – Ap. 16:8
Terça parte do sol e da lua feridas, perde-se a terça parte da luz. Homens são abrasados com grandes calores do Sol.
Quinta Trombeta – Ap. 9:1-12
Quinta Taça – Ap. 16:10-11
Cai uma estrela sobre o abismo e solta os gafanhotos sobre a terra, tais tem poder de “danificar” os homens somente, não matá-los. Derramada sobre o reino e trono da besta, reino se torna tenebroso, homens se contorcem de dor.
Sexta Trombeta – Ap. 9:13-21
Sexta Taça – Ap. 16: 12-16
Quatro anjos soltos para matar a terça parte da humanidade. Seca-se a água do Eufrates para preparar o Armageddon.
Sétima Trombeta – Ap. 11:15-19
Sétima Taça Ap. 16:17-21
Adoração a Deus, aparecem os 24 anciãos, anúncio do juízo divino e aparece o templo de Deus com a Arca da Aliança. Terremotos, relâmpagos e chuva de pedras.

Juízo divino se consuma na terra, relâmpagos, trovões e um grande terremoto sobre a terra maior que qualquer um anterior, grande saraivada de pedras de peso de um talento (40 quilos).

Como já dito os elementos naturais de fato se repetem, como o modo de ação divina, mas mesmo estes têm diferenças substanciais entre eles; por exemplo, na segunda trombeta uma parte do mar se torna em sangue, na segunda taça todo mar vira sangue, na terceira terça parte das águas se tornam amargas, na terceira taça elas se tornam em sangue, em ambas, mesmo que os elementos sejam idênticos, os acontecimentos são substancialmente diferentes, principalmente da terceira trombeta em relação à terceira taça, colocando em xeque algum paralelismo entre eles.

Em outras situações não há coerência entre os elementos ou os castigos; na primeira trombeta há chuva de saraiva e são consumidas terça parte das arvores, na primeira taça os homens são atingidos por uma chaga maligna, o mesmo diferencial ocorre na quinta e sexta trombeta, na quarta ocorre um aparente antagonismo: nas trombetas o sol perde parte de sua luz, na taça ele queima os homens com seu calor. Na quinta trombeta são soltos aqueles gafanhotos, na taça o trono da besta se torna tenebroso e doloroso aos homens, indicando, de novo, pouca ou nenhuma similaridade entre elas. As únicas com similaridade o bastante para análise mais profunda são as sétimas (trombeta e taça), mas mesmo nesse caso há diferenças razoáveis: numa há terremotos, noutra apenas um grande terremoto sem precedentes; numa aparecem os 24 anciões e a Arca da Aliança, na outra não; em uma se anuncia o juízo divino, em outra se noticia sua consumação. Em todo o caso as diferenças se tornam mais evidentes que as semelhanças; se cobrem o mesmo período deveriam ter semelhanças mais concretas e explicáveis; aliás, se fosse esse o caso, como dito anteriormente, expressões comparativas seriam esperadas, mas não constam no texto bíblico.

A terceira e última base de comparação que abordaremos aqui defendida pelo paralelismo progressivo é no tocante ao que afirma que a ênfase e repetição contidas em outros livros são provas de que o texto apocalíptico seria paralelo e progressivo. O teólogo Simon J. Kistemaker diz que:

“Quando realçamos algo em impresso, usamos o ponto de exclamação ou escrevemos em itálico. Essas convenções, porém, não eram disponíveis nos dias dos escritores bíblicos. Empregavam a técnica de repetição para chamar a atenção do leitor (…). O mesmo princípio permeia a estrutura do Apocalipse, onde encontramos repetição com o intuito de ênfase.” [6]

Ou seja, uma prova de paralelos entre as seções são repetições nos textos; Kistemaker usa como prova disso repetições em outros livros, sendo este uma comparação externa.

A primeira comparação externa é do próprio Sistemaker, que diz:

“O povo judeu recorria à repetição a fim de realçar o desígnio de um conceito. Agiam assim com frequência com o intuito de comunicar dois exemplos que transmitiam a mesma mensagem. No Egito, José interpretou sonhos: um para o copeiro e outro para o padeiro (Gn 40.8-22); e dois sonhos para faraó (Gn 41.1-40). Moisés recebeu poder para realizar dois milagres na presença dos israelitas: converter seu cajado em serpente e fazer sua mão ficar leprosa (Êx 4.1 -7). A literatura de natureza sapiencial, especialmente Salmos e Provérbios, está saturada de paralelismo que clarifica o ponto que o escritor intenta enfatizar. Aqui está um exemplo dentre muitos: “No caminho da justiça está à vida; nessa vereda está a imortalidade” (Pv 12.28). O mesmo princípio permeia a estrutura do Apocalipse, onde encontramos repetição com o intuito de ênfase.” [7]

Para o autor o fato de se ter essas repetições faz com que esse recurso seja algo de Apocalipse. O problema é que se despreza o tipo de texto abordado; os textos enumerados não são do tipo profético, e sim narrativos históricos. O que nos leva a observar uma falácia aqui: falácia da falsa analogia**, e assim desconsiderar esse argumento.

No segundo caso de comparação externa, Hendriksen tenta apoiar as seções paralelas a partir do texto do livro de Daniel, ele diz:

“Nosso argumento final para apoiar a posição paralelística é o fato de que encontramos exatamente a mesma coisa nas profecias de Daniel, que têm sido chamadas de Apocalipse do Antigo Testamento. Desse modo, as partes do sonho de Nabucodonosor correspondem exatamente às quatro bestas do sonho de Daniel (capítulo 7). O mesmo período é coberto duas vezes, e visto de diversas perspectivas.” [8]

O autor considera ao menos que o texto faz jus a uma profecia e é um texto profético nos mesmos moldes de Apocalipse. No entanto, há coisas a serem consideradas aqui também. Em primeiro lugar os sonhos do capítulo 2 e 7 são de pessoas diversas; em Apocalipse quem tem a visão é somente o apóstolo. Outra coisa a se destacar é que enquanto em Daniel os sonhos são distintos e separados, não só pelo fato de serem pessoas diferentes, mas sim sonhos e visões diferentes em diferentes tempos, a visão de João parecer ser única, sem intervalos e sem interrupções temporais. Isto faz toda a diferença na hora de considerarmos um texto como sendo prova de qualquer coisa em relação a outro.

Existem algumas outras comparações textuais feitas, mas todas carecem de uma similaridade sólida o suficiente para considerarmos qualquer analogia em relação a esses textos, tanto é que mesmo Kistemaker faz uma confissão antagônica a estas comparações dizendo que “O último livro da Escritura é único em sua estrutura” [9].

Conclusão

Como exposto acima, a abordagem do paralelismo progressivo carece de um forte embasamento textual e exegético, além de possuir falhas e lacunas consideráveis em seus argumentos para sustentar tais seções paralelas. Claro que há similaridades textuais em Apocalipse, mas nenhuma destas precisa da visão de seções paralelas para serem explicadas. A intenção do autor evidencia-se contrária a uma abordagem de paralelismo progressivo, assim como as comparações entre os acontecimentos descritos em cada paralelo.

Notas:

*falácia da petição de princípio é quando se usa uma pressuposição para chegar a uma conclusão partindo do princípio que a conclusão já é válida, entrando num raciocínio circular falacioso.

**falácia da falsa analogia é uma falácia cujos elementos comparativos não são iguais ou não possuem as características equânimes que justifiquem uma comparação ou analogia.

[1] HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 27-30.

[2] GEISLER, Norman L. (org.). A Inerrância Bíblica. São Paulo, SP: Editora Vida, p. 147.

[3] HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o Futuro. São Paulo, SP: Casa Ed. Presbiteriana, 1989, cap. 16.

[4] idem [1], p. 36.

[5] ibid [1], p. 32

[6] KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: Apocalipse. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 19.

[7] idem 6.

[8] ibid [1], p. 33-34.

[9] ibid 6, p. 24.

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