O que o Dispensacionalismo não é

Por Michael Vlach

Recentemente, enquanto corria em uma esteira na academia, escutei atentamente um professor de Bíblia bem conhecido no meu iPhone. Durante uma sessão de perguntas e respostas, alguém lhe perguntou o que ele pensava sobre o dispensacionalismo. Ele respondeu que um de seus maiores problemas com o dispensacionalismo era sua doutrina da salvação. Em particular, ele argumentou que o dispensacionalismo ensina o tricotomismo – a crença de que os seres humanos são compostos de três partes: corpo, alma e espírito. Ele afirmou que desde que o dispensacionalismo ensina que a alma e o espírito são distintos, isso leva à conclusão de que os cristãos podem viver vidas carnais elegantemente enquanto vivem para a glória de Deus espiritualmente. Depois de ouvir isso, eu repassei os seus comentários para ver se eu tinha entendido corretamente. E sim, ele tinha dito exatamente isso. Para ele, dispensacionalismo estava intrinsecamente ligado à crença de que a alma e o espírito são partes distintas da constituição humana, o que poderia levar a uma vida ímpia.

 

Este homem estava sinceramente errado. Tricotomismo não é uma crença necessária ao dispensacionalismo nem de longe. Eu me perguntava como ou de onde ele tirou essa conclusão. Infelizmente, os seus ouvintes terminaram aquele dia pensando que o dispensacionalismo defende uma visão errônea da salvação. Este é apenas um dos muitos exemplos em que o dispensacionalismo tem sido seriamente deturpado.

 

Ao longo de sua história, ele tem sido muitas vezes associado a vários pontos de vista periféricos que não são fundamentais para a sua teologia, especialmente no que diz respeito à doutrina da salvação. Tal alegação revela a ignorância quanto à verdadeira natureza do dispensacionalismo. Assim, este capítulo vai mostrar alguns dos MITOS comuns ou mal-entendidos sobre a teologia dispensacionalista que precisam ser eliminadas de quaisquer discussões factuais do dispensacionalismo.

 

DISPENSACIONALISMO E OUTRAS DOUTRINAS

 

Nem todo sistema teológico tem uma relação orgânica com cada área da teologia cristã. Por exemplo, a teologia reformada tem pontos de vista específicos sobre as doutrinas da Escritura, da soberania de Deus e da salvação. Mas essa teologia não lida com nenhum ponto específico da escatologia. Por exemplo, há teólogos reformados que são amilenistas, pós-milenistas e premilenistas. Entretanto, a tentativa de vincular a teologia reformada com uma visão milenar específica seria incorreta, já que não há nenhuma relação inerente com qualquer visão milenar específica.

 

O mesmo é verdadeiro para o dispensacionalismo. Esta teologia está intrinsecamente ligada a algumas áreas da teologia, mas não a outras. Ao examinarmos, fica claro que o dispensacionalismo está preocupado  principalmente com as doutrinas da eclesiologia (igreja) e escatologia (final dos tempos). Mas uma doutrina que não é inerentemente relacionada com o dispensacionalismo é a soteriologia, a doutrina da salvação. Como John Feinberg escreve:

O dispensacionalismo se torna muito importante com relação à eclesiologia e à escatologia, mas realmente não se trata destas outras áreas. Alguns pensam que a salvação é o cerne do dispensacionalismo porque pensam erroneamente que ele ensina múltiplos métodos de salvação. Aqueles que compreendem corretamente a posição percebem que sua ênfase está em outro lugar.[1]

John MacArthur, um dispensacionalista que tem se envolvido profundamente em debates soteriológicos com outros dispensacionalistas, também afirma com razão que a escatologia e a eclesiologia, e não a soteriologia, estão no cerne do dispensacionalismo:

Assim, o dispensacionalismo forma uma escatologia e eclesiologia. Esta é a extensão dele. O dispensacionalismo puro não tem ramificações para as doutrinas de Deus, do homem, do pecado ou da santificação. Mais significativamente, o dispensacionalismo verdadeiro não faz nenhuma contribuição relevante para a soteriologia, a doutrina da salvação.[2]

 

O. T. Allis, um não-dispensacionalista, ecoa as conclusões de Feinberg e MacArthur: “As principais características deste movimento [dispensacionalismo] são duas em número. A primeira é relacionada com a igreja. (…) A segunda tem a ver com a profecia”.[3]

Que o dispensacionalismo é principalmente sobre eclesiologia e escatologia (e não soteriologia) é também evidenciada nas obras de outros líderes dispensacionalistas que tem enfatizado a essência do dispensacionalismo. Por exemplo, no livro “Dispensationalism Today” (Dispensacionalismo Hoje), Ryrie dedicou um capítulo à “salvação”, mas o capítulo foi principalmente uma refutação contra a acusação de que o dispensacionalismo ensina várias maneiras de salvação. Ele não argumenta que o dispensacionalismo implique necessariamente em qualquer visão soteriológica. Em seu trabalho de 1993, “The Case for Progressive Dispensationalism” (O Argumento do Dispensacionalismo Progressivo), Robert L. Saucy discute questões eclesiológicas, escatológicas e hermenêuticas relacionadas com o dispensacionalismo, contudo, ele não promoveu nenhuma soteriologia dispensacional em particular.[4]

 

Em um livro de 1992, editado por Blaising e Bock, chamado “Dispensationalism, Israel and the Church: The Search for Definition” (Dispensacionalismo, Israel e a Igreja: A Busca por definição), autores dispensacionalistas escreveram sobre vários temas eclesiológicos, escatológicos e hermenêuticos, mas nenhum defendeu uma soteriologia dispensacional específica.[5] O mesmo pode ser dito a respeito do livro de 1993 dos mesmos autores, Progressive Dispensationalism.[6] Exceto por tratar de conceitos errôneos à opinião dispensacionalista sobre a lei e a graça, não houve discussão direta sobre qualquer soteriologia dispensacional. Paul Enns, um dispensacionalista, dedica um capítulo à “Teologia Dispensacional” no seu livro de 1989, “The Moody Handbook of Theology” (O Manual de Teologia Moody).[7] Ele apresentou um parágrafo para o assunto da salvação. A ênfase do parágrafo, entretanto, foi para refutar o falso argumento de que o dispensacionalismo ensina variadas formas de salvação. Nenhuma soteriologia dispensacional específica foi mencionada. Estas obras de dispensacionalistas reconhecidos são importantes porque revelam o que está no cerne do dispensacionalismo. É significativo que nenhum desses textos tenta ligar o dispensacionalismo a uma determinada perspectiva soteriológica. Quando abordaram a soteriologia, foi principalmente para responder às acusações de que o dispensacionalismo está ligado a alguma perspectiva errada de salvação.

 

Para esclarecer, não estou afirmando que os dispensacionalistas não possuem suas opiniões soteriológicas individuais; claro que eles têm. Uma distinção, contudo, deve ser feita entre o que os dispensacionalistas asseguram individualmente e o que o dispensacionalismo, enquanto um sistema, afirma. Não considerar esta distinção é o grande erro daqueles que associam o dispensacionalismo a certos pontos de vista soteriológicos. Eles estão, como Feinberg diz, “reagindo àquilo que eles pensam que o dispensacionalismo afirma ao invés de reagirem contra a lógica do próprio sistema”.[8]

 

– Michael Vlach / Os Planos Proféticos de Cristo: Um guia básico sobre o premilenismo futurista – Cap. 2, Pág. 37-40

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